quarta-feira, 15 de julho de 2009

Aos vinte e três

Fazem vinte e três anos. Nesse exato momento, sem um minuto a mais ou a menos, eis que conhecia o mundo. Tão crua, tão novata. Que esperava eu daquela nova atmosfera a mim apresentada? Que sonhos carregava eu no coração ao meu nascimento?


Provavelmente nenhum. Não há memórias para tão remota época. Não há sensação nenhuma. Nenhum cheiro, nenhuma cor. Quando nasci, o mundo era preto e branco, insípido ou quem sabe tivesse cheiro de hospital, não tinha gosto além de leite.


Explorar do novo ambiente, poderia ser doloroso, mas eu não sabia disso. Não contaram-me das dores do mundo nas minhas descobertas, entretanto ao mesmo tempo, podaram-me de conhecer o sabor de certas coisas do mundo por julgarem não serem palatáveis. Assim, cresci sem saber o sabor das pedras ou da terra, mas escondida e morrendo de vontade provei do sabor de giz-de-cera. Não lembro-me mais que sabor tinham. Aos vinte e três anos eles não tem a mesma aparência saborosa que tinham aos quatros anos de idade.


Dos cheiros não me privaram, conheci todos, um a um. Transformei-los no guia da minha vida sobre o mundo. Cada um remete a lembranças múltiplas, algumas delas vinda do mundo dos sonhos – mundo paralelo ao real que conheci em tenra idade. Com os cheiros, descobri os gostos. Basicamente assim: com bons cheiros existem bons gostos, e o contrário também é válido.

A cor do mundo, fui conhecendo pouco a pouco. Sem entender, descobri que tons cinzas me são muito mais agradáveis, provavelmente pelo mesmo motivo descobri que dias de chuva eram tão mais especiais. Entretanto, mesmo gostando do cinza e da chuva, encantei-me conhecendo o amarelo, especialmente quando vi essas cores cheirando em flores no campo.


Colhi flores, matei muitas só por vaidade, para vê-las enfeitar meu universo mais íntimo – também conhecido como quarto -, ali, olhei-as por horas e as vi morrer lentamente sem peso algum na consciência.


Descobri sabores que viraram vícios com o passar dos anos. Encantei-me ao sentir chocolate derretendo na boca, muito embora o cheiro do chocolate causasse um encanto ainda maior. Sabor de vento, sabor de poesia. Tantos sabores e ainda há espaço no paladar para mais a serem descobertos.


Quando conheci o tato não recordo-me. Lembro-me do tato quando descobri o amor. E esse descobri logo de chegada, ao conhecer meus pais. Mas na vida – descobri eu – que crescemos e o amor começa a multiplicar-se. Logo chegam os irmãos, os amigos e pra todos tem amor. Mais tarde chegou o amor homem/mulher.


Avassaladora calmaria. Os sentidos mais aguçados do que nunca e sem entender. Ele não tinha aquele cheiro no dia anterior; que cheiro era aquele? Cheiro de homem, cheiro de amor. As pernas tremiam, os olhos o seguiam, a boca amolecia, os pelos arrepiavam-se, a pele estava pronta.


Ah, a descoberta do amor! Como foi lindo, como fui leve, como causa-me recordações constantes. Ele chegou, e desde o dia que o conheci sabia que era diferente, como se ele tivesse uma inscrição em neon na testa com os dizeres: olha, sou eu o amor da sua vida!


Eu olhei, com olhos novos, senti com mãos novas, cheirei com um nariz inteiro. Depois vieram os beijos, os arrepios, os suspiros a noite e as palavras bonitas de manhã. Entretanto eu não sabia que junto com o amor conheceria as pedras. Foi quando entendi o que Augusto dos Anjos dizia em seu poema: “O beijo, amigo, é a véspera do escarro”. Sim, conheci a dor nesse exato momento e ela era maior do que os tombos da infância seguidos por Mertiolate, dor de coração me era até então desconhecida.


À vinte e três anos atrás não sabia o que seria na vida. Não esperava, não sonhava, nem acreditava em príncipes encantados. Aos dez anos de idade, acreditava que aos vinte e três já seria profissional formada, esposa e quase mãe, morando em casa própria, com carro, com uma vida toda decidida e pronta. Mas agora que cheguei aos vinte e três anos, não tenho nada disso além do diploma universitário, sem no entanto sentir-me uma profissional completa.


Aos vinte e três descobri que muitos dos meus sonhos ainda serão realizados, que ser gente grande não é tão fácil quanto contavam-me os livros de estórias infantis, que príncipes encantados existem, mas que quando aparecem cedo demais na nossa vida causam espanto. Aos vinte e três descobri que tudo que eu conheci até agora é só o início, que o mundo – meu parque de diversão preferido – ainda me reserva mais sorrisos, alegrias, amores, sabores, cheiros, brinquedos, vidas, pessoas, tatos, mãos, narizes, visões, madrugadas, conversas fiadas e tudo mais que ainda nem sei que existe.