segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Eu poderia gritar, mas não sei se as pessoas da rua entenderiam o peso das palavras. Porque não são palavras bonitas, são como vômito de algo há muito tempo comido e que nunca teve a correta digestão. Vômito de um amor comido que se anseia em comer novamente, mesmo sem que ele tenha saído um dia do estômago.

Eu poderia gritar, mas certamente quem deveria ouvir não estará passando na rua nesse momento. Porque ele nunca, nunca passa nessa rua.


Mudou o caminho e isso já tem anos, mas eu teimo em reencontrar um caminho de folhas amarelas secas que cruze com o seu. Poderia ser até um caminho de pedras. 


Porque você não passa mais na minha vida, mas meu amor por você nunca passou.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

A vida que não se deve viver

Já é meia-noite, mas isso (também) é uma mentira. O relógio vive adiantado desse tempo que é pra ver se o tempo passar mais rápido e com ele vem o sossego. Mas talvez essa técnica esteja funcionando muito mal e seja uma boa hora para conseguir uma nova. Uma que não inclua a falsa ilusão de manipulação temporal, uma que traga um sossego inexistente consigo.

Percebi que os últimos anos têm sido uma mentira. E talvez a vida inteira tenha sido. Acordei um dia e já tinham se passado vinte e seis primaveras, entretanto, não estava vivendo a minha vida em boa parte delas. Passei a vida vivendo a vida dos outros. Resolvendo o problema dos outros. Levando a culpa por coisas que eu nunca fiz, mentindo e ocultando informações para evitar brigas, mas elas sempre vinham não se importando com o tamanho do meu esforço.

Desde sempre fiz de tudo para manter a boa convivência, passando dias e mais dias tensa enquanto vivia só para tentar manter uma paz que as pessoas teimavam em quebrar. Insistente como sou - talvez demais - mantive a técnica falha de assumir os erros dos outros, de convencer um e outro que não tinham um problema, que estava tudo bem, que a vida era um lindo comercial de margarina. Mas as brigas sempre voltavam rindo dos meus esforços vãos e de tão vãos que eram, até eu sabia que não adiantariam de nada.

Mas o que mais poderia fazer a não ser evitar? Muitas coisas, hoje eu vejo. Eu era fraca demais e muitas vezes recebi (e ainda recebo) acusações falsas de que defendo um lado, de que tenho favoritos, de que não amo um ou outro. E pobre do meu coração, sangrava a cada uma dessas palavras. Justo ele que tinha o espaço de cada um milimetricamente do mesmo tamanho guardado. Justo ele que fazia o cérebro mandar sinapses de medo e submissão para o corpo para que as coisas ficassem bem, justo ele que só agia para ver todos felizes.

E sangrava, e quebrava e colava de novo. Meio mal posicionado, mas colava. Ainda funcionava: do mesmo jeito bobo. Entretanto cortes um dia ficam tão profundos que não há mais como colar perfeitamente, nem costurar, nem nada e as coisas vão mudando. Depois de tantas acusações indevidas, de tantas dores sentidas pelos outros, de uma vida não vivida, do medo da briga iminente, do sorriso amarelo, do choro escondido, da atuação de pessoa feliz para uma sociedade que tão pouco ligava pra isso; resolve-se mudar o jogo para ver se agora funciona. E isso, nem é por maldade.

É o coração, que mesmo bobo, prefere agora se afastar. São os ouvidos que de tanto aguentarem gritos sem deixar a boca falar, já cansados, agora não ligam mais para que a boca descontrole-se em gritos e palavras que nunca foram ditas. É a sensação de fracasso de ter feito tudo do melhor sempre e ainda assim, não ter conseguido modificar nada. É o desespero que já deixou de desesperar e agora vira indiferença e inércia.

Porém, o coração ainda sente e ainda tem aquele velho sonho idiota de ver todos felizes. Mas já não tem tanta força para cumpri-lo. Ainda há a dor terrível de ver duas pequenas pessoas amadurecendo como eu amadureci. Meio solitárias, meio amargas, meio sem esperança. Rodeados de brigas e onde um momento feliz sempre tem o coração batendo meio amedrontado porque sabe que logo as lágrimas voltam. Mas sorte seja, eles passaram por esse processo de indiferença antes de mim e sofrerão menos ou fingirão mais.

Eu cansei do meu papel. O papel que desempenho no filme da minha vida é secundário, pois sempre estive fazendo um papel principal na vida dos outros. E agora, dando-se conta de que o tempo passou e de que não vivi, notando que a situação se repete em loop infinito, é hora de despedir o roteirista e o diretor. É hora de escrever a vida. A minha vida, onde as participações especiais são dos outros e não minhas.