segunda-feira, 28 de janeiro de 2013


Pediu para eu olhar e eu fiz. Abri os ouvidos e não pude ver nada do que me falava. Então abri todos os poros da pele e continuei sem ver o que era que me falava. Tentei, não diga que fui má e não tentei ver, porém a sua realidade não é a minha. Seus olhos estão longe demais de enxergar o que eu vejo. E talvez a sua realidade seja mais bonita (ou a minha). Queria ver a sua, queria saber se o que todos veem é o que diz – porque se for assim sou anormal -, mas se não for, então a anormal é você.

Enquanto você falava das coisas que eu deveria ver – mas não vejo – viajei por outras terras mais férteis e bonitas. Onde a teoria fosse meio desnecessária e o que valia a pena era só a experiência. Quem disse que é mais bonito a teoria cheia de nomes de pessoas que nunca vi do que as minhas pequenas lembranças do que há de bonito na vivência?

Vivência, aliás, é uma palavra bonita. Junto com prática e experiência, são palavras bonitas na teoria. Mas quem disse que de teoria se faz o mundo? Deus lá escreveu um livro ou citou meia dúzia de nomes com palavras bonitas antes da prática? Aprecio a teoria - sim, eu leio artigos e também sei citar meia dúzia de nomes bonitos -, mas o eu vivo é quem eu sou. E a pergunta final é: da teoria fez-se a prática ou foi da prática que fez-se a teoria?

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Com licença humana

Permitiu-se ver a tempestade que caia sem pressa. Viu o céu ficando cinza, negro, pesado e choroso. Sentiu o vento gelado e os primeiros pingos ainda calmos, depois ousados e grandes. Percebeu todo o caos do mundo se espalhando em forma de tempestade e os insetos perdendo suas casas e famílias. E só não sentiu saudade porque não queria, mas sentiu falta do pôr-do-sol cor-de-rosa.

Permitiu-se um banho morno e demorado. Deliciou-se percebendo trechos de pele sua que já nem se lembrava. Talvez porque cada pedaço seu carregasse lembranças que preferia esquecer, fingir que nunca foram, que nunca existiram. Talvez porque tivesse se tornado estranha de algumas coisas suas, por pura distração com o mundo.

Permitiu-se fazer pouco ou nada. Sentar na cadeira pelo simples prazer de sentar – e há quanto tempo não fazia isso! -, passar horas de toalha de banho, não escovar o cabelo em respeito à inocência infantil, cantar em silêncio pra não correr o risco de desafinar, sorrir só quando tivesse real vontade, ser antipática com o mundo e, principalmente, viver apenas por viver.

Permitiu-se a maquiagem borrada, o rosto desfigurado de riscos negros. Verificou todos os traços e imperfeições sem julgamentos. Não queria resolver o problema da maquiagem, nem daquela manchinha na bochecha, porque dentro dela era muito mais interessante que fora.

Permitiu-se não amar ninguém. Ter o coração vazio alguma vez, sem nada: nem pesar, nem amor, nem ressentimento, nem nada. Permitiu-se mandar a sensibilidade embora uma vez apenas na vida.

Permitiu-se perder o controle e a razão – mesmo que entre as paredes do quarto-, não ter regras a seguir e ser, apenas ser tudo e ser nada. Permitiu-se ser quem era e não o queriam ou viam dela. Permitiu-se, apenas permitiu-se.
Ser poeta não é difícil. É só juntar pedacinhos de pensamentos, do cotidiano, de amor e de leveza e deixar tudo existir numa folha de papel.