sábado, 30 de junho de 2012

Do surpreendente

Teve tempo de olhar os pingos de chuva sumirem no vidro da janela depois daquela inesperada e surpreendente chuva. Via alguns escorrerem e outros, meio que se condensavam por causa do frio - que não era grande, mas também não era comum por ali.

Da falta do comum e da sobra de surpresa, ficou admirada ao perceber que há muito tempo surpresas não existiam na sua vida. Ou será que existiam e não conseguia notar?

Continuou por mais alguns instantes hipnotizada pelos pingos de chuva grudados na janela do quarto. Estava encantada com o fato da sua visão do mundo ter mudado e queria aproveitar para ver a rua de sempre através daqueles pingos de chuva. Era uma maneira de fugir dos problemas, entretanto sem muito sucesso.

Pensar que a paisagem habitual havia mudado pelos pingos de chuva mostrava que a vida dela não tinha nada de mais interessante se passando. Não que não gostasse de chuvas, céus e nuvens desde sempre, mas agora, era a novidade dos dias dela. Era a única coisa que tinha pra contar quando alguém lhe perguntava as novidades. Isso ou algo sobre o trabalho e o cotidiano já de botas batidas.

Com a mesma intensidade que desejava mudanças, sentia-se fraca para procurar meios de mudar. A apatia parecia ter tomado conta daquele seu velho corpo - que não era velho, mas sentia-se como se fosse - não deixando meios visíveis de mudar a situação. Até porque já nem sabia mais se a situação deveras a incomodava. Era indiferente. Tudo lhe era alheio e indiferente.

Tinha medos absurdos que nem seu íntimo conhecia direito. Tinha vontades irregulares que só o travesseiro dividiam com ela. Tinha sonhos de dormir e de acordar meio desconexos e por muitas vezes se viu confundindo os dois. Tinha vontade de voar, mas desconhecia em sua anatomia a presença de asas. Tinha pequenos prazeres diários para lhe arrancar sorrisos, como o querido vidro desenhado com os pingos da chuva. Tinha muitas pessoas em seu meio, porém, só dividia seu mundo com poucos - pouquíssimos -, o restante era desnecessário e difícil de se suportar fora do horário comercial.

Sentia que como os pingos congelados na janela, assim também estava o tempo naquele momento. O tempo, havia algum tempo já (talvez muito, talvez pouco, não sabia contabilizar com certeza), passava como bem entendia. Alguns minutos duravam eternidades, algumas madrugadas, segundos. E mesmo os dias parecendo curtos geralmente, não sentia os meses e só notava que já havia se passado trinta dias ao mudar a folha do calendário. Tudo isso porque a vida profissional pedia - ela e seus benditos prazos -, do contrário, ainda estaria em janeiro.

Abriu um pouco a janela e quis gritar, mas nem sabia o que gritar. Se gritasse suas dores, o mundo deveria gargalhar dela ou dizer que suas dores são maiores. Se gritasse coisas de baixo calão, a veriam como uma mal educada grosseira e revoltada sem motivos. Se gritasse um poema, ninguém iria entender. Se apenas gritasse... se apenas gritasse... pensou nisso e chegou a conclusão de que talvez não soubesse apenas gritar.

Era indiferente demais pra gritar, era indiferente demais para dividir alguma coisa com aquela gente que ela vagamente via passar na rua por vezes infinitas. Era indiferente demais para aqueles pingos de chuva. Era indiferente demais para sentir.



segunda-feira, 11 de junho de 2012

As pessoas que eu gosto

Eu sou do tipo de pessoa que gosta de pessoas bonitas por dentro. Pessoas de alma radiante, leve e cheia de coisas bonitas pra contar. Mas é claro, que a beleza externa também me encanta.

Gosto de pessoas de nariz bem desenhado. É uma paixão antiga, sempre será. Não é a toa eu me recordar mais do nariz de uma pessoa do que de qualquer outra coisa em seu rosto/corpo. Perco-me por horas admirando um belo nariz. E esses narizes bem desenhados são ainda mais belos e encantadores quando sabem gostar de cheiro de flores do campo, livros velhos, de chuva e do meu cabelo.

Tenho encanto por mãos. Com dedos longos e finos. Ou nem tão finos. Ou nem tão longos. Mas que especialmente, além de bonitas, saibam fazer carinho no cabelo, cócegas na barriga, arrancar suspiros e sorrisos.

Gosto de pés. Pés branquinhos, limpos e doces. Pés que sabem aonde ir e onde chegar. Pés que sabem caminhar até você, em alguns momentos com toda doçura do mundo e em outros, com todo o calor que há na Terra.

Gosto de cabelos lisos e não lisos, desses bons de passar a mão. De pessoas que não tem medo que a gente desarrume o seu cabelo enquanto brinca de fazer carinho ou de bagunçar. Cabelos que deixam cheiros gostosos e de saudade no travesseiro da gente.

Gosto de bocas e das palavras que elas podem falar. Palavras pra fazer a gente rir, pra fazer a gente gargalhar, pensar, perder o fôlego, esquecer do mundo. Bocas que saibam que a beleza maior delas não está no seu desenho ou na sua cor, mas sim no que elas podem dizer pra gente em todos os momentos.

Gosto de dentes e do sorriso sincero que eles sabem mostrar pra gente. Pessoas que mostram dentes quando a gente tá triste, quando a gente conta uma piada - por mais sem graça que seja -, quando a gente fala algo bobo, quando a gente fala algo bonito, quando olham pra gente. Pessoas que sabem sorrir com a alma.

Gosto de pessoas com olhos bonitos que olham pra gente com a leveza da bossa nova, a malandragem do samba, o quente do rock´n´roll, a doçura da música clássica. Olhos que olham pra gente de verdade.  Que nos fazem ficar de bochechas vermelhas de tão profundo que nos penetram. Olhos que entendem a gente, só de olhar pros nossos.

Gosto de gente com cheiro, com cor, com tato, com poesia, com música, com leveza, com alegria, com amor. Gosto de gente que tenha jeito de gente e que eu, chamo de minha gente.


quinta-feira, 7 de junho de 2012

De como o tempo passa

Olhei o calendário e rapidamente várias sensações estranhas invadiram o meu corpo vindas de duas constatações: o ano (novamente) chegou em sua metade e o meu vigésimo sexto aniversário se aproxima a passos largos.

Lembrei de como a chegada dos aniversários era encantadora quando criança. Brigadeiro, bolo, presente, abraços, festa, comemoração, guaraná, balão. A proximidade dos sonhos realizados quando adolescente: faculdade, casamento, filhos, vida de adulta. E agora? Que sensações trazem a proximidade de mais um aniversário?

É tudo estranho após me dar conta de que o tempo tem passado, a vida tem passado, mas parece que não ando vivendo. Talvez por tudo passar rápido demais. O mundo gira muito rápido e eu, lenta em minhas assimilações, vivo com a sensação de ressaca provocada por essas voltas malucas e rápidas do planeta. E claro, corre sangue nas veias, eu estou vivendo.

Vivendo? Não seria isso a sobrevivência? Acordar cedo, trabalhar, receber, pagar as contas, ler, ver filme, família, amigos, bar, acordar cedo, trabalhar, receber, pagar as contas... Um loop infinito de coisas que se repetem sequencialmente. Um loop que parece não deixar brechas para fugas, nem para mudanças. Vida de adulto é assim, então? Será que não tem tanto brilho mesmo ou aos olhos de criança/adolescentes as coisas sempre têm mais brilho?

São muitas perguntas e quanto mais procuro respostas, mais perguntas aparecem. Não, isso não é uma reclamação formal da vida de adulta e do fato do tempo passar rápido demais - até porquê, talvez seja eu que me deixe passar -, isso é só uma sensação que apareceu aqui e que, dividindo, que fico mais leve.

sábado, 2 de junho de 2012

Coração depedaça(n)do

Ela sentiu o coração despedaçar, cada pedaço caia ao chão seco de tristeza. Sentiu a voz ficando fina e falha. Não queria chorar, não queria mais chorar pelo mesmo motivo, não queria mais ter esse motivo, não queria mais ter coração. Mas as lágrimas escorriam-lhe o rosto sem que ela pudesse evitar. Quentes, queimavam os olhos, bochechas e pescoço. Acabavam de queimar o resto de coração que se despedaçava em velocidade ainda maior agora.

Sentiu o ar ficando falho e, não fossem as pessoas que ainda eram importantes e moravam naquele coração em frangalhos, teria desejado não mais respirar. Porém, não era tão covarde assim a esse ponto. Não queria fugir de nada e ao mesmo tempo queria fugir de tudo.

Sonhava com aquele velho mundo bonito no qual sempre se escondia, só que dessa vez, parecia que as portas estavam fechadas. Tinha que ter sonho e coração para entrar no mundo encantado e nesse momento, seu coração estava ao seus pés e os sonhos tinham todos morrido por falta de cor.

Secou as lágrimas, esboçou um sorriso. Não conseguiu. Tamanha falsidade não era de seu feitio. Procurou distração em vão. Pensou em dormir, não conseguiu. Quis gritar, não tinha voz nenhuma. Quis conforto, não tinha.

Lembrou que tinha que continuar vivendo. Seca ou não. Dolorida ou não. Sem sorriso ou com. A vida ainda estava ali na sua frente e os seus queridos, ainda precisavam de tudo que agora não tinha. Precisava ser forte, precisava ser alegra, precisava rápido.