segunda-feira, 27 de maio de 2013

Sobre os medos

A gente não nasce com medo de dentista. Não nasce com medo da chuva, mesmo em suas tempestades mais barulhentas. Também não nasce com medo do amor e do sofrimento que ele poderá causar. Não nasce com medo de não ser aceito. Não nasce com medo da solidão, mesmo daquelas entre multidões. A gente também não nasce com medo da morte.

O medo é conhecido porque as outras pessoas, no lugar de nos apresentarem a vida, nos apresentam ao medo. Uma criança nunca terá medo de injeção se os seus pais não tiverem e não fizerem da pequena agulhada um momento de pânico e trauma eternos. O amor não irá apavorar se não soubermos do seu lado doloroso e só assim é que mergulharemos de cabeça no amor. Porque amor com medo da dor vira só pó e meio amor.

A vida não pode ser vivida plenamente com medo e se for pra ter medo, que sejam os nossos e que sejam de vivências e não dos medos dos outros que por comodidade pegamos para nós. Podemos dizer que é proteção, mas ao analisar ao fundo um medo qualquer, talvez não possamos explicar o porquê deste.

Os medos são necessários para a sobrevivência, até concordo, entretanto, se um medo chega a podar a vivência, qual o sentido de apenas sobreviver? Pra que passar a vida inteira fingindo viver escondendo-se atrás de uma tonelada e meia de medos ganhos de herança ou criados a cativeiro por nós mesmos?

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Sobre como o tempo passa (ou não)


Vazio existencial. O relógio já/ainda marca quatro da tarde, àquela hora comprida em que eu nunca sei se torço pro relógio correr ou parar. Noto que há muito tempo balanço o pé, mordo a tampa de uma caneta – a boca já secou -, é a velha procura de soluções em gestos naturais e bobos. É mecânico, bem como é mecânico o ato de olhar para a tela do computador esperando que as fórmulas se completem, que as soluções brotem...

O café já está frio. Minha casa deve estar quente já que o sol teima em bater na porta do quarto a tarde toda. E não sei onde o vazio existencial é maior: aqui ou lá. Lá posso ver um filme, ler um livro, dormir... aqui eu posso fingir que sou uma pessoa completa planejando grandes coisas que pra mim, atualmente, tanto fazem.

O relógio e a maneira sádica como me prende em suas engrenagens que eu nem sei como funcionam. Sou totalmente controlada por ponteiros dourados, prateados, finos, grossos, brilhantes... pela posição deles que não faziam o menor sentido na infância. Digam pra mim, por que é que tem que fazer algum sentido agora?

Aprisiono-me dentro de mim querendo apenas algumas horas longe (de mim). Eu sou mais complexa que o relógio que me aprisionou e a preguiça disso às vezes é maior. Entre o tédio e a agonia, vasculho qualquer coisa e leio uma notícia sobre clonagem humana. Mas era só o que me faltava, ter mais uma de mim! Quase um sorriso, o vazio quase não vai embora. Como a gente espanta essas dúvidas que parecem insetos na cabeça? Dúvidas de que, afinal?

Dúvida se a hora passa devagar ou rápida. Dúvida se a hora deveria passar rápida ou devagar. Dúvida se é melhor controlar o tempo ou se deixar levar de vez por suas engrenagens barulhentas. 

Sobre as pequeninas coisas da vida

A vida é um emaranhado de pequeninas coisas acontecendo concomitantemente. Pequeninas coisas que acabam tornando-se grandes e definindo quem somos frente a própria vida.

A gente pode escolher em qual destas coisas vai se apegar para definir a cor do dia. Tem dias que as coisas tristes pesam mais, é natural - deve ser, já que acontece com todo mundo aparentemente. Em outros são as coisas felizes que pesam e nesses dias o sorriso é largo e prega-se nos lábios durante todo o dia, até terminar na hora de dormir e acordar ou não no dia seguinte.

Algumas pessoas mentem só ter coisinhas boas na vida. Mas não há como. O que existe é apenas a escolha de qual vai pesar mais. Entretanto, o coração dia após dia vai enchendo-se e por mais que a gente tente disfarçar que ele não está se enchendo das coisas triste, uma hora ou outra ele pesa tanto que o sorriso amarela, as lágrimas escorrem escondidas, o aperto é visível ao mundo - mesmo se você for um bom ator.

Aliás, atuação é algo necessário na vida prática já que o mundo não tem culpa das coisas tristes e ruins que acumularam-se no seu coração. Nem da sua felicidade repentina seguida de vontade de virar a mesa, jogar tudo pro alto e partir caminhando e cantando. Ser adulto é saber manter a neutralidade com o mundo mesmo quando o peito explode em alegrias ou em sangue e lágrimas.

A trilha sonora guia-se pela cor do dia e sábios conhecedores de mim dizem como eu estou sem titubear, mesmo quando eu finjo ser a alegria estampada na pele. Ah, mas que bobagem! Todos temos o direito de emburrar, de chorar, de gritar pro mundo que o peito dói e que a gente nem sabe porquê. Todos podemos contar os nossos problemas enumerados, a solidão que corrói os sentimentos bons. Todos temos o direito de sofrer, entretanto, ninguém tem o direito de transformar o seu sofrimento em arma para fazer sofrer.

A gente tem que aprender a lidar com a solidão devoradora de sentimentos e transformá-la em aliada na descoberta de quem somos e de porque ainda teimamos em criar mais as coisas tristes dentro de nós. Todos podemos e devemos consolar, mas as vezes o consolo vem de nós mesmos e das palavras que jogamos ao vento e deveríamos ter guardado para nós. Às vezes a solução não há e se não há, acostumemo-nos a viver com as pequeninas coisas tristes que nos rodeiam e que elas sejam leves e úteis. Apenas.