terça-feira, 27 de março de 2012

O mundo (ir)real

Da sacada, ela sentia o vento gelado em sua alma. Admirava a beleza do negrume da noite e das estrelas brilhantes que ela viu, pretensiosa, nascerem. Eram belas e brilhavam ao longe, brilhavam numa terra distante que ela agora sonhava conhecer.

Da mesma sacada, também via as ruas vazias. Vazias como alguns corações, vazias como o dia que não tem bom dia, vazias como os sonhos que alguém deixou de sonhar porque já não tinha tempo, vazias como um jardim que não floresce nas primaveras. Olhando aquele vazio, a menina pensava – e seu pensamento conseguia chegar perto da lua – em onde as pessoas que deveriam estar naquelas ruas estavam.

Seriam pessoas felizes? Alienavam-se frente à televisão? Cantavam? Falavam com alguém? Tinham desejos obscuros? Amavam alguém? Tiravam a vida de alguém? Idolatravam ídolos vãos? Sentavam-se a mesa? Onde estavam todas as pessoas normais daquele mundo real?

E por não encontrar, nem as respostas nem as pessoas, deixou para lá a rua das pessoas e pensou na rua de um mundo distante, para além das estrelas.

Lá as ruas não seriam tão escuras, frias e sem vida. Não! Lá havia uma bela lâmpada antiga em cada esquina cercada de lindas roseiras com cheiro tão delicioso que acompanhavam o nariz da gente até casa e tão coloridas que pintavam um sorriso na boca de todos os transeuntes.
A rua não tinha um enegrecido e esburacado asfalto, tinha ladrilhos que brilhavam a luz da noite e mostravam-se multicoloridos à medida que a luz lhes acompanhava ou não. Os canteiros centrais tinham bancos tão confortáveis, onde descontraídas pessoas conversavam sem medo da noite e casais amavam-se sem segredos. As casas da rua eram sorridentes e gentis com os que as cumprimentavam. De todas as cores, as casas iam lado a lado com seus jardins de primavera e árvores com frutas deliciosas.

O céu tinha as cores de quem o olhava! Era laranja, cor-de-rosa, azul, negro. Com tons tão belos e leves. E as nuvens, ah, as nuvens! Estas tinham tantos desenhos que até mesmo a mente com menos imaginação ali podia descobrir desenhos. O sol escondia-se sem ciúme da lua e a lua sentia saudade do sol todas as noites.

As pessoas sorriam sem amarelar, conversavam sem mentir, amavam sem fingir, cantavam sem se envergonhar, andavam sem pressa, cumprimentavam por vontade, agiam por natureza, eram doces por natureza, eram leves por instinto, eram todas diferentes e aceitavam e admiravam todas as diferenças entre elas, as pessoas falavam de sonhos, de amor, de campos de girassóis amarelos, daquela bela canção, de um filme de chorar, de uma vida que era vivida com dedicação.

As dores não cabiam naquele lugar. O sangue ali só corria dentro das veias, artérias e corações. A tristeza era só poesia. Lágrimas sempre tinham a beleza que os “reais” esqueciam-se de ver. Canções eram provas de amor a algo ou alguém. Textos tinham porquê de ser e a alma do autor em cada letra. Não havia brigas, não havia discussões que não levassem ao crescimento, não havia trabalho sem dedicação, não havia nada sem sentido, não havia beleza sem cor, nem cheiros sem vida.

Ali tudo era permitido e não havia desrespeito pela liberdade concedida. Alguns poderiam dizer que era o paraíso, mas ela sabia que não, era apenas o universo de seus sonhos. Um universo distante, que de tanto ela acreditar, existia realmente.

O tempo passou, o sono chegou junto com as horas e a menina tinha que se despedir do seu mundo. Mas ela não fez. Disse adeus ao mundo real e continuou com o sorriso sincero de quem vive em um mundo encantado. O mundo dela agora era irreal aos olhos dos outros, mas para ela, aquele universo surreal era o seu mundo. Até porque as cores do mundo real não combinavam com aquela menina de sonhos.

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